De pé, frente à grande janela do ginásio,
que dava para o quintal do colégio, ao lado da lavandaria, a colegial
contemplava, de olhar perdido, a imensa cortina de lençóis brancos, secando ao
sol fraco, dos curtos dias de inverno. Enquanto os lençóis esvoaçavam levemente
ao sabor de uma brisa fresca e suave, ela pensava na vida que levava dentro
daquele internato, longe da família e, em como os gritos e risos das colegas despreocupadas, brincando no ginásio,
correndo, rindo, jogando Badminton, ou deslizando em patins de quatro rodas, lhe chegavam aos ouvidos e pareciam sem sentido. Ali, os domingos só se distinguiam dos outros dias da
semana por não haver aulas, mas o ritmo era o mesmo: lento e monótono! Portanto, nada melhor a se fazer do que projetar o futuro incerto, naquelas
telas gigantescas, abrir os olhos e sonhar...
Como não há limite para o sonho, os olhos
da menina se viam percorrendo os campos verdejantes da infância, que há muito havia
deixado para trás, e onde colhia agora flores impossíveis, com que tecia guirlandas
imaginárias enfeitando os cabelos, na espera de um príncipe perfeito, que viria de algum lugar, montado num cavalo branco, para resgatá-la da frialdade daquelas paredes de colégio, por
onde a vida se escoava, num vazio sem fim.
Naqueles dias, acordar, levantar, rezar,
comer, estudar, deitar e acordar de novo, era uma ciranda que não parava nunca.
Apenas as férias quebravam essa rotina, que logo-logo era retomada, ano após
ano. Era tão lento o escoar dos dias, que aquelas meninas tinham a sensação de que
um dia, acordariam velhas, dentro do seu uniforme azul marinho, de gola branca de
renda guipure[1], mas seria tarde demais, para
a chegada do almejado príncipe de farto cabelo de oiro e olhos de um azul
cristalino como o de um céu ensolarado, que as resgataria daquele lugar onde só
os desejos cresciam.
***
Um dia, como tem que ser, o colégio ficou
para trás, perdido na poeira do tempo. As meninas acabaram de crescer, já fora dos muros
do colégio, longe das telas de lençóis brancos balançando ao vento, distorcendo
as imagens do futuro, que teimava em não se mostrar claro. Cada uma seguiu seu
caminho, perderam-se nas infindas e densas brumas de D. Sebastião e jamais se
encontraram. Dos Príncipes, talvez uma, ou outra, tenha vislumbrado o manto,
mas muitas, encontraram encantadores sapos que as iludiram, sapos carinhosos,
sapos amigos, sapos tinhosos a quem, nem o mais ardente dos beijos conseguiu
transformar em príncipes.
Das princesas, a que mais sonhava, correu
mundos, viveu histórias e, um dia, num lugar muito distante, sentada à mesa de
um restaurante, pareceu-lhe reconhecer, naquele par de olhos azuis que cruzou o
seu olhar, o encantado príncipe. Era um cavaleiro andante, que perdera seu
cavalo em batalhas sangrentas, de que saíra ileso. Perderam-se, reencontraram-se
algum tempo depois, como se a mão do destino, sempre caprichoso, quisesse
dizer-lhes que deveriam selar o encontro. Não sabendo como resistir ao destino,
o cavaleiro andante, sossegou de suas andanças e pediu a princesa em casamento. Seria
o sonho se realizando? Seria ele o príncipe? Seria o “felizes para sempre”?
***
O que se sabe da história é que um dia,
passado um bom tempo, a princesa, depois de um esforço imenso para arrancar o
príncipe adormecido de dentro do cavaleiro andante, tentou o último beijo e viu
o sapo, finalmente, pular para o brejo!