24.7.16

Sobre Príncipes e Sapos



De pé, frente à grande janela do ginásio, que dava para o quintal do colégio, ao lado da lavandaria, a colegial contemplava, de olhar perdido, a imensa cortina de lençóis brancos, secando ao sol fraco, dos curtos dias de inverno. Enquanto os lençóis esvoaçavam levemente ao sabor de uma brisa fresca e suave, ela pensava na vida que levava dentro daquele internato, longe da família e, em como os gritos e risos das colegas despreocupadas, brincando no ginásio, correndo, rindo, jogando Badminton, ou deslizando em patins de quatro rodas, lhe chegavam aos ouvidos e pareciam sem sentido. Ali, os domingos só se distinguiam dos outros dias da semana por não haver aulas, mas o ritmo era o mesmo: lento e monótono! Portanto, nada melhor a se fazer do que projetar o futuro incerto, naquelas telas gigantescas, abrir os olhos e sonhar...
Como não há limite para o sonho, os olhos da menina se viam percorrendo os campos verdejantes da infância, que há muito havia deixado para trás, e onde colhia agora flores impossíveis, com que tecia guirlandas imaginárias enfeitando os cabelos, na espera de um príncipe perfeito, que viria de algum lugar, montado num cavalo branco, para resgatá-la da frialdade daquelas paredes de colégio, por onde a vida se escoava, num vazio sem fim.
Naqueles dias, acordar, levantar, rezar, comer, estudar, deitar e acordar de novo, era uma ciranda que não parava nunca. Apenas as férias quebravam essa rotina, que logo-logo era retomada, ano após ano. Era tão lento o escoar dos dias, que aquelas meninas tinham a sensação de que um dia, acordariam velhas, dentro do seu uniforme azul marinho, de gola branca de renda guipure[1], mas seria tarde demais, para a chegada do almejado príncipe de farto cabelo de oiro e olhos de um azul cristalino como o de um céu ensolarado, que as resgataria daquele lugar onde só os desejos cresciam.

***
Um dia, como tem que ser, o colégio ficou para trás, perdido na poeira do tempo. As meninas acabaram de crescer, já fora dos muros do colégio, longe das telas de lençóis brancos balançando ao vento, distorcendo as imagens do futuro, que teimava em não se mostrar claro. Cada uma seguiu seu caminho, perderam-se nas infindas e densas brumas de D. Sebastião e jamais se encontraram. Dos Príncipes, talvez uma, ou outra, tenha vislumbrado o manto, mas muitas, encontraram encantadores sapos que as iludiram, sapos carinhosos, sapos amigos, sapos tinhosos a quem, nem o mais ardente dos beijos conseguiu transformar em príncipes.
Das princesas, a que mais sonhava, correu mundos, viveu histórias e, um dia, num lugar muito distante, sentada à mesa de um restaurante, pareceu-lhe reconhecer, naquele par de olhos azuis que cruzou o seu olhar, o encantado príncipe. Era um cavaleiro andante, que perdera seu cavalo em batalhas sangrentas, de que saíra ileso. Perderam-se, reencontraram-se algum tempo depois, como se a mão do destino, sempre caprichoso, quisesse dizer-lhes que deveriam selar o encontro. Não sabendo como resistir ao destino, o cavaleiro andante, sossegou de suas andanças e pediu a princesa em casamento. Seria o sonho se realizando? Seria ele o príncipe? Seria o “felizes para sempre”?

***
O que se sabe da história é que um dia, passado um bom tempo, a princesa, depois de um esforço imenso para arrancar o príncipe adormecido de dentro do cavaleiro andante, tentou o último beijo e viu o sapo, finalmente, pular para o brejo!




[1] Guipure = Palavra francesa traduzida como guipir, gripir ou gripier em português, do Brasil.