14.12.15

“A Vida em Pedaços Repartida” - 1


I – Em Busca das Raízes 


            Naqueles dias, a vida era o verde dos pinheiros, o cheiro dos eucaliptos, e o dourado dos campos de milho prontos para a colheita, a perder de vista. A vida era uma estrada comprida, muito comprida, reta e íngreme, que ligava Gião a Fagilde. De um ponto ao outro (dois morros fronteiriços), uma longa descida, o vale e uma subida que, de tão inclinada, fazia lembrar um enorme V. Creio que ainda faz. Olhando de Gião em direção a Fagilde, a inclinação dava a impressão de ser impossível de se percorrer aquela estrada, sem resvalar de costas, e despencar no vale.
Naqueles dias, era o fumo, saindo de chaminés esparsas, entre imensos e loiros campos de trigo prontos para a colheita, no mês de Maio, e o luar de Agosto prateando o casario da pequena aldeia, enquanto nós, sentados no Cruzeiro, do Calvário, enfiávamos agulhas à luz da lua e os cães latiam mensagens de alerta (ou quem sabe do quê?) a outros cães.  
Contávamos histórias de ladrões e de ciganos (o terror da época), e sentíamos o temor remoto de que a próxima caravana de ciganos, levasse alguma criancinha da aldeia (nos levasse). Havia ainda temor e desejo de encontrar a pestana do Zé do Telhado, escondida na fechadura da porta, marca cruel do Robin Hood português, que roubava os ricos para dar aos pobres, passara por ali. Talvez símbolo do desejo de aventura, da quebra de regras.
Naqueles dias, não tínhamos medo de perder tudo, pois nada tínhamos e, até a fome rondando perto, vista agora, à distância, parece um martírio romântico!
Naqueles dias, não havia televisão despejando notícias, anúncios, novelas, mentiras, verdades, vinte e quatro horas por dia, sobre nossas cabeças, nem Internet, nem wi-fi, nem celulares que nos obrigassem a ficar colados, de olhos vidrados, buscando na telinha, na telona, sabe Deus o quê. A tela que tínhamos na frente era o verde dos campos, das matas e o azul do céu a perder de vista. Não havia telefone sequer! As cartas chegavam, vagarosamente, trazendo notícias de terras longínquas. Não havia bonecas falantes, nem carrinhos movidos a controle remoto. Construíamos e inventávamos nossos brinquedos e éramos felizes, ou, pelo menos, acreditávamos que o éramos!
Naqueles dias, não sabíamos mais do sofrimento humano, do que o daquela pobre mulher, mãe devotada, a cuidar, sozinha, do filho paralítico, ajudada pelos vizinhos, quando necessitava de ficar mais horas fora de casa, cavando o magro sustento dos dois. Não havia mendigos caídos à beira da estrada, dormindo ao relento. Os pobres tinham sua dignidade e vergonha de se expor e sempre arrumavam algum trabalho, a troco de comer e de dormir, como a senhora Maria da Joana, costureira que, já muito idosa, ainda ficava alguns dias na casa de suas antigas clientes. Os olhos já mal enxergavam e as mãos, muito trêmulas, costuravam uns panos velhos, para justificar o magro salário, a comida. Ninguém se atrevia a dizer que aquele era um trabalho inútil.
Naqueles dias, apenas víamos os dias se fazerem noite, e de novo dia, numa sucessão constante, enquanto corríamos soltos pelos campos, até nos perdermos, para logo nos acharmos, orientados pelo canto longínquo das ceifeiras. Não havia bússola, apontando nortes, mas achávamos o caminho de volta, ao entardecer, sob um céu vermelho-alaranjado, e ao som do chiado dos carros de bois caminhando, pachorrentos, depois de um dia de exaustivo trabalho.
Entrávamos em casa, no inverno e sentávamo-nos aconchegados, à lareira, vendo o fogo crepitar, lavando os pés dos mais velhos, enquanto se rezava o terço e aguardávamos a magra ceia. Depois, íamos dormir, embalados pelo vento que silvava nos pinhais. E o vento soprava, cantava, rangia, uivava, embora lá fora parecesse apenas um bailarino dançando uma canção de amor.
É esse vento que ainda trago nos ouvidos, e, por vezes, não me deixa adormecer!
Naqueles dias, havia o pomar da D. Vitória, onde comíamos, à vontade, os frutos colhidos das árvores, ou recém caídos, enquanto enchíamos generosos baldes dos frutos mais antigos, para alimentar os porcos e os que ficavam no campo, viravam húmus e promessa de melhores frutos no ano seguinte.
Havia uma cerejeira de enormes, de suculentas cerejas brancas, difíceis de alcançar, debruçadas sobre o abismo de três enormes tanques de água fria, que brotava da mina e onde, em certos dias da semana, as lavadeiras, batiam as roupas na pedra, ensaboavam de novo, colocavam um pouco sobre um manto de erva fresca, para corar e lavavam de novo, enxaguavam e punham para secar ao som de belas risadas e cantigas, e as cerejas só podendo ser colhidas por mãos experientes de adultos, dado o perigo de tal colheita. E, por falar em cerejas, havia ainda uma enorme cerejeira, na casa da tia Clemência, na Mota, cujos ramos se debruçavam sobre a varanda, carregadinhos de enormes cerejas vermelhas, que nos permitiam colhê-las sem esforço e deliciar-nos com aqueles frutos vermelhos que nos deixavam a boca e as mãos vermelhas, durante horas.
Naqueles dias, havia uma escola, do outro lado da rua estreita, crianças brincando e gritando no recreio e a menina, à janela, do outro da rua, embalada pela lengalenga de tabuadas cantadas, sonhava com o dia de frequentar a escola, abraçar aquele universo de letras indecifráveis, escondendo mistérios, pensando, quem sabe um dia, ser professora, e poder desvendar esses mistérios, aos seus alunos. Enquanto esse tempo não chegava, a menina corria, sozinha, no pátio deserto, ao fim do dia, ou da semana, durante as férias escolares, dominando aquele espaço, tornando-se a dona do pátio. A escola era construída sobre grossa colunas de concreto, chão de brita, formando, assim, uma espécie de cave, contornada de paredes com janelas rasgadas por onde passavam apenas gatos (daí o nome “gateiras”) e crianças atrevidas, em busca de aventuras ou de uma bola perdida... Entrar pelas gateiras, mais do que atrevimento, era um ato de coragem, de afrontamento do desconhecido, pois não se sabia se nos defrontaríamos com algum gato morto ou se sairíamos de pés sangrando, cortados por pedaços de vidro disfarçado no meio das pedras e da luz cada vez mais fraca, à medida que nos afastávamos das gateiras, na travessia de um lado ao outro daquele porão em que, apesar da pouca altura, mal podíamos ficar em pé. Depois viriam os dias de frequentar a escola e desmitificar aquele espaço sagrado.
Naqueles dias, havia a saudade de um pai que morava longe, e promessas de áfricas acenando. Era o tempo da inocência e das peraltices, às vezes, duramente castigadas por uma tareia de cinto de couro, ou de cordas dobradas, castigo, muitas vezes desproporcional ao delito cometido, mas nem por isso, os pais se sentiam ameaçados de possíveis denúncias e riscos de prisão por terem tentando alinhar a criança aos bons princípios da educação, ainda que os métodos fossem pouco ortodoxos, e muito exagerados. 
Naqueles dias, nada, nem ninguém, nos impedia de correr pelos campos, pelos matos, ou de adormecer de cansaço numa cama fofa de fetos, de deixar o corpo entregue aos sentidos, respirando o aroma da relva recém cortada, o cheiro de terra molhada, de sentir o tronco enrugado dos pinheiros, na tentativa de uma escalada. De sentir o perfume do eucalipto misturado ao odor do pão quente saindo do forno. Era um cheiro a capim, a mata verde, era a cozinha cheia de fumaça do pinho verde queimando na lareira, fazendo lacrimejar os olhos de quem penetrava nesse ambiente de névoa densa, adivinhando a direção do fogo aconchegante, crepitando na lareira, enquanto a nortada de inverno soprava, gélida, lá fora.
Naqueles dias, subíamos às árvores, onde permanecíamos, por horas, sentindo-nos pássaros, e perguntávamos “ao cuco da beira-mar, quantos anos ele nos dava para nos casarmos”, e o cuco (uma outra criança), respondia com tantos “cu-cu” (canto do cuco), obrigando-nos a contar até cem, duzentos ou, se mais benévola ou preguiçosa, até vinte ou trinta. Colhíamos os frutos das árvores, diferentes a cada estação. E, se as cerejas nos deixavam de boca vermelha os nogões marcavam nossas mãos de um amarelo que, por mais que as esfregássemos e lavássemos, deixava as mãos amarelas, durante dias.  Não tínhamos pressa de crescer, nem de casar, nem de nos retorcermos, precocemente, em danças sensuais.
Naqueles dias, não sabíamos a cotação do dólar (nem que ele existia), qual a melhor aplicação bancária, apenas ouvíamos falar da fome e dos horrores da guerra (a Segunda Guerra Mundial), marcas ainda muito vivas na lembrança das pessoas. Quanto a nós, nada sentíamos perder, já que nada tínhamos, e o dinheiro era de pouca serventia, nada havia para se comprar... O sol, a chuva, o vento, eram inteiramente nossos e vivíamos ao sabor das estações, e os pés descalços na terra representavam a liberdade plena e o Inverno guardava segredos e preparava-nos caminhos insondados e insondáveis! Então, a nortada soprou forte e a avozinha ficou, hirta, pálida, de olhos fechados, e a mãe quis que a menina se despedisse com um beijo, daquela senhora, deitada, muda para sempre, de sorriso apagado, de olhos fechados e a menina resistia àquele beijo, pois aquela mulher, que não sorria mais, não podia ser a avozinha. Era apenas um corpo vazio. Onde o sorriso, onde o brilho no olhar da avozinha?
Na sala ao lado, as tias e as primas choravam um rio de lágrimas, descendo silencioso sobre as faces, ou soltavam largos soluços ruidosos, e a menina, de olhos arregalados, olhava tudo aquilo, como se olhasse o impossível. Ainda ontem a avozinha a pegara no colo, acariciara, e hoje, sem prenúncio de maleita, apenas pelo capricho de um boi assustado, a avozinha estava ali, lívida, estendida no esquife, de mãos cruzadas sobre o peito e um grito mudo, no peito da menina, pedia à avozinha que se levantasse, que a pegasse mais uma vez no colo, mas nada, nada a fez levantar-se. Nem a chegada do filho mais novo que vivia afastado dali, mas muito mais perto do que o mais velho, morando lá, do outro lado do mundo... Chegou o padre, rezou as orações, e uma junta de bois puxou o carro com o esquife, subiu a rua e a menina, espreitando pela janela da cozinha, viu o préstito desaparecer na curva. Os adultos voltaram, as noras fizeram a partilha dos parcos haveres, mas da avozinha, apenas o imenso vazio no peito da menina, e a eterna lembrança daquele carro com o caixão desaparecendo na curva da estada, aquela sala lotada de gente conhecida, desconhecida e do primo, elegante no seu calção curto e casaco e boné, que mais parecia um pequeno lorde, recortado de uma ilustração de romance inglês. Essas, as imagens gravadas, para sempre, no olhar da menina.
Depois que a avozinha se foi, os dias não foram mais os mesmos. Havia o vazio, um imenso buraco no peito da menina, que a ausência do pai, e dos dois irmãos mais velhos, desbravando áfricas desconhecidas, abrira e se ampliava agora, naquele gosto amargo de vazio, de ausência... eram muitas ausências para tão pouca vida! E esse gosto meio amargo de ausência, nunca mais deixou de se fazer presente, no peito da menina.
Quando a avozinha ainda estava no meio de nós, os dois irmãos mais velhos da menina, partiram para África, onde o pai já se encontrava e essa era a primeira vez que a menina se deparava com a angústia da despedida. Quando o pai partira, a menina era tão pequenina que não tinha a menor ideia como acontecera essa ausência. Só pôde constatar a falta, à media em que ia aprendendo a saber a vida.
Agora o destino roubava-lhe a avó querida, e os outros irmãos partiram para o seminário e as irmãs para o colégio interno e a menina ficou só. Não se sentiu abandonada porque tinha a escola e as primas de Gião, com quem sempre estava, desde que se conhecia por gente, pois não se lembrava dos percursos anteriores, nem dos passos que a trouxeram ali. Era como se, desde sempre, pertencesse àquele lugar, embora soubesse ter nascido na Corga, na casa grande, onde todos os irmãos nasceram, mas em condições bem mais precárias. A menina nascera frágil, uma ferida se abrira no rosto, corre-se ao médico que diz:
− Dê-se-lhe penicilina! Se a saliva começar a sair ela morre. Desespero! A penicilina teria que ser buscada no Porto e, naquele tempo (1946), os vinte e quatro quilômetros de distância, representavam uma lonjura imensa, pela falta de transportes e de velocidade dos mesmos. Então, o Doutor de Canedo, que me remete ao João Semana de “As Pupilas do Senhor Reitor” de Júlio Dinis, cuidou com carinho e cuidado, daquela menina frágil, sem penicilina, basicamente com pó de sulfas (hoje me informaram que está proibida a venda de sulfas, não entendi a serviço de que interesses, pois, se esse pó milagroso salvou a vida da menina, cicatrizando-lhe a ferida, e muitas outras, o que fez dele um remédio nefasto?),  e a morte foi embora, sem deixar rastros... Será por isso que ela veio buscar, cedo demais, a avozinha? E o Doutor de Canedo, (nunca ninguém lhe chamou pelo nome próprio), continuou por muito tempo ainda, ajudando a menina a se manter forte e a crescer. Foi seu pediatra, dermatologista, dentista... Era um tempo em que os médicos sabiam de tudo um pouco, olhavam nos olhos de seus doentes, e não eram meros especialistas. Os pacientes eram inteiros, e não precisavam de médicos tão especializados que sabem tudo, ou quase tudo, de quase nada.
 Agora, que ficara sozinha, a menina tinha a escola, ao lado da casa, um imenso salão, de carteiras duplas, com um buraco no meio onde se enfiava o tinteiro de cerâmica branca, e as canetas, ou melhor, as penas, repousavam, quando não estavam em uso, em ranhuras apropriadas. Tudo era fascinante! A professora, orquestrava, como exímio maestro, uma classe composta, de uns trinta ou quarenta alunos, da primeira à quarta série, dispostos em fileiras, cada série se ocupando de suas tarefas, colocadas cuidadosamente em cada quarto de lousa, dividida por um traço vertical de giz branco, e, enquanto uns faziam o ditado, outros se entretinham com uma série de contas ou com a cópia de um texto ou da tabuada, que, dentro em pouco, teria de ser dita de cor, sem olhar o caderno. E assim, socializávamos o conhecimento... Nada sabíamos sobre Dewey, Montessori, Piaget, Escola Nova ou Tradicional, éramos cobrados por nossos erros e desatenções com palavras mais ou menos duras e, se a coisa era grave, lá vinha em nossa direção a “santa luzia” de cinco olhinhos (palmatória) para nos abrir os olhos e a mente, e nos tornar mais atentos, espertos e educados, e nenhum adulto era punido por nos punir tão severamente. Doíam as mãos, às vezes, inchavam, e nem nos queixávamos em casa para não redobrar o castigo. Até onde sei, poucos ficaram traumatizados para o resto da vida... Eram dias difíceis, mas sobrevivemos a eles.
Os irmãos que estavam no seminário e as irmãs no colégio interno, para meninas, voltavam para casa nas férias do Natal, da Páscoa e do Verão e voltavam as noites de luar, os sobrinhos e os amigos da Senhora Joaquina, para passar férias na aldeia, os cães latindo ao longe, as histórias de ladrões e de ciganos, os medos, o afoitamento de ir cada dia mais longe, mata adentro, e aquele frio no estômago diante da possibilidade de não saber voltar. Havia cantos e risos, as primeiras fotos que o mano tinha aprendido a fazer e que registavam cenas da vida simples daqueles dias que se perderam na bruma do tempo...
 Sim, foi aí que a menina decidiu (e cumpriu) o vaticínio:
− Um dia serei professora!
E, enquanto o destino, ou a determinação, não se cumpriam, a menina enchia os olhos de verde, e os pulmões de ar puro, que guardaria para sempre, dentro de si, como um punhado imaginário de terra, como se fosse de Tara, da Scarlett O’Hara, de “E o Vento Levou”, dum tempo em que nem cinema sabia que existia. Essa terra, estava entranhada na mente, no coração, nos olhos da menina e, de vez em quando, de longe, chegava até ela, no assobio do vento.

22.11.15

Elos e Correntes


Chegamos ao mundo acorrentados e quebrando correntes. Sim. O cordão umbilical é a primeira das muitas correntes que teremos que cortar para sobreviver.
Às vezes deixamos que as correntes se emaranhem e se enrolem no pescoço e, se não formos socorridos a tempo, morreremos enforcados.
Acorrentados à família defendemo-nos de enfrentar a luta do dia a dia, a mais penosa das lutas, mas que pode, ao mesmo tempo, ser prazerosa.
E continuamos criando, tecendo, novas correntes, elo a elo, que se vão fortificando. A corrente dos amigos de infância que acompanharam e fortificaram nossos elos, ralando joelhos, rachando a cabeça, fendendo os lábios, na queda ou na mordida forte de segurar e esconder nossas fragilidades.
Temos as correntes dos primeiros amores e as quebras dos primeiros elos, temos as correntes do casamento, do trabalho, dos estudos, da corrida para ser alguém na vida, ter um lugar ao sol. E quantos elos, dessas correntes, se quebram no embate forte ou no pequeno toque! Temos correntes de aço, difíceis de romper, de ferro, que se não forem bem cuidadas enferrujam facilmente, de palha que incendeiam à menor ameaça de fogo, temos correntes de cristal, belas e frágeis que ao menor toque se quebram e não podem ser coladas. Temos correntes de ar – de brisa ou temporal -  que sopram num afago ou derrubam sem piedade tudo o que encontram pela frente.
E assim vamos percorrendo a estrada, arrastando correntes, até que, perdidos os elos, mergulhamos no mar da solidão.
Quantos elos emendei em longes que vivi! Quantos elos quebrei e quantos, ainda,  terei de emendar, de arrastar de quebrar... não sei!

23.10.15

A DOR


        De repente, a coluna trava, as pernas recusam-se a caminhar e uma dor absurda invade o corpo. Quanto, de dor, pode suportar o humano? Por quanto tempo? 
    Sim, eu sei, existem dores e Dores... dores de alma, dores psíquicas, provocadas por sentimentos de amores mal compreendidos ou mal resolvidos, dores de ódio, de raiva, de paixão, dores de alegria ou de solidão, dores vermelhas, amarelas, pálidas, negras ou acinzentadas, dores buscadas, provocadas, partilhadas, dores ignoradas...
       Não é, contudo, dessas dores que vim falar aqui. É das dores físicas, leves, dolorosas (doloridas), fortes, intensas, avassaladoras, que chegam de repente, se instalam, incomodam, perturbam, enlouquecem e não vão embora, nunca. Duram, perduram.
        Sim, quanto de tempo e de intensidade de dor física consegue, o ser humano, tolerar? Se alguém puder, se alguém souber, esclareça-me, por favor!

20.9.15

Desilusão


No baú dos segredos
Coloquei todas as minhas ilusões
E um resto de sonhos não concretizados.
Aos amores que não tive
E aos que perdi,
Juntei as desilusões
Que muito me pesavam sobre os ombros.
E tudo coloquei, no mesmo baú.
Depois,
Arrastei-o para o jardim,
E lá, enterrei para sempre,
O que ainda restava de mim!

9.9.15

Retomada

            Quando se é forçado a sair, repentinamente, da rotina frenética que é uma sala de aula, faz-se necessário encarar a perda como um luto, semelhante à perda de um ente querido. Afinal, durante anos e anos, nos dirigimos ao mesmo local de trabalho, encaramos um dia a dia sempre igual, e sempre diferente. A cada semestre, construímos pontes de amizade e de conhecimento que nos permitiram a ilusão de que aquele universo era nosso, para sempre. 
       Retomar uma nova atividade, nesta altura da vida, é tentar construir uma nova linha de sentido, tarefa idêntica à de retomar a caminhada interrompida, a leitura do livro esquecido a um canto... tal tarefa demanda esforço e coragem, num momento em que o corpo já nos convida a sossegar um pouco, diminuindo o ritmo acelerado de outrora. Mas, como viver é movimentar-se, aqui estamos para retomar a caminhada.

3.7.15

Despedida - Ung

Há exatamente uma semana fui desligada da Instituição onde trabalhei por exatos 29 anos e meio o que me deixou: Triste, Feliz e Agradecida, ao mesmo tempo. Escrevi, então, o texto que segue, publicado, inicialmente, no Facebook. 
  
***

Sinto-me Triste, Feliz e Agradecida, ao mesmo tempo. Eu explico:
Hoje é dia de agradecer o sol lindo que brilha lá fora, nesta manhã quente de inverno, depois da fria notícia de ontem. Fui desligada, melhor dizendo, despedida da Universidade Guarulhos, onde trabalhei durante 29 anos e meio.
Quero agradecer à UnG, Universidade Guarulhos​, tudo o que dela recebi nos últimos 29 anos e meio.
Nunca poderei esquecer o dia, do final do mês de dezembro de 1985, terminando o curso de Complementação Pedagógica, em que, gestante do último mês de gravidez, fui convidada para fazer parte da Instituição e levada pelas mãos amigas da professora Maria Teresa Gomes Pereira​, à diretoria do Centro de Letras e Artes, para futura contratação.
Meu filho, hoje com 29 anos e meio, nasceu no dia 15 de janeiro de 1986 e, na primeira semana de fevereiro desse mesmo ano, com um bebê de 15 dias, lá estava eu, firme e forte (talvez não tão firme, nem tão forte), pronta para encarar a minha primeira turma de ensino superior, depois de alguns anos e continentes, de ensino fundamental e médio, como se diz hoje.
Era uma tarde de um sábado quente de fevereiro, como costumam ser as tardes desse mês, em que, perplexa e assustada, encarei o desafio de lecionar didática, numa turma, do Curso de Psicologia, com 140 alunos (uma multidão)! Terminada a aula, corri para casa para amamentar meu bebê, que me recebeu tranquilo e sorridente, e assim os dias foram passando, se transformando em meses, depois em anos (não mais amamentando, claro), mas continuando a repartir meu tempo entre a tarefa de ser mãe, dona de casa e professora, como tantas outras mulheres.
Fiquem tranquilos que não farei aqui o relato completo dessas aventuras e desventuras ocorridas em 29 anos e meio.
Ontem fui chamada, com urgência, para assinar uns papéis. Neles constava a notícia de que a Universidade Guarulhos, não necessitando mais dos meus serviços, me dispensava. Era, exatamente, assim, que estava escrito naquela folha branca de papel (nunca entendi por que diziam que receber carta de demissão era receber o "bilhete azul").
Alguns devem perguntar-se por que motivo eu viria a público agradecer. Vejamos:
Eu agradeço à UnG, Universidade Guarulhos, a oportunidade que me proporcionou de lecionar no ensino superior, de ter formado meus filhos, de me permitir ampliar meus conhecimentos profissionais e pessoais.
Formada em Filologia Românica (Letras) pela Universidade de Lisboa​, conclui na UnG o Curso de Administração Escolar, Supervisão de Ensino e Orientação Educacional, graças ao qual me tornei professora da casa.
Tempos depois, ali mesmo, na UnG, fiz um mestrado em Linguística Letras e Artes e, decorridos alguns anos mais, me formei em Psicologia. Agradeço, portanto, a ampliação do meu patrimônio cultural.
Agradeço a oportunidade de ter sido Coordenadora do Curso de Letras que contava, à época, com cerca de três mil alunos e 56 professores. Se não pude fazer pelo curso tudo o que idealizei, ou tudo o que esperavam de mim, fiz o melhor possível, com as condições que me foram proporcionadas. Agradeço pela experiência que não serviu apenas para ampliar meu currículo, mas serviu pelo aprendizado de humildade, de que exercer um cargo é estar ao serviço de uma situação passageira...
Agradeço a oportunidade de coordenar alguns eventos, como semanas culturais, que deixaram, em quem delas participou, marcas felizes e inesquecíveis, mesmo em meio a alguns inevitáveis contratempos.
Agradeço a oportunidade de organizar e avaliar, durante muitos anos, o Concurso de Poesia, aberto à comunidade acadêmica.
Agradeço a oportunidade de poder exercer a prática generosa e voluntária de Cursos de Inserção Acadêmica, oferecidos gratuitamente aos alunos, como forma de melhorar seu desempenho, lançando sementes de conhecimento que, espero e acredito, devem estar florescendo e frutificando por aí.
Agradeço a experiência quase enlouquecedora de montar um curso básico de português, a distância, e de ter tido a chance de saber que estava dando resultados positivos.
Agradeço a possibilidade de ter transitado por muitos cursos e áreas de conhecimento, o que muito ampliou a minha percepção das diferentes formas de aprender e de ensinar.
Agradeço à Universidade Guarulhos, o ter-me permitido exercer com liberdade a minha profissão de ensinante-aprendiz, acreditando no meu potencial e respeitando as minhas idiossincrasias, sabendo que meu trabalho sempre foi pautado pelo respeito ao aluno, à instituição e à fé, de que ensinar é uma troca constante de experiências, o que me permitiu praticar a máxima de Guimarães Rosa que diz que "professor não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende".
Agradeço a possibilidade que tive de expressar pensamentos e sentimentos, nas diversas palestras proferidas e nos artigos publicados nas revistas (de papel e eletrônicas) da Instituição.
Agradeço a oportunidade de ter lançado o meu livro de poesia "Chuva Quente" e do lançamento ter sido prestigiado pelas Autoridades da UnG, incluindo seu Chanceler.
Agradeço as oportunidades que tive de atuar como tradutor-intérprete nas visitas de franceses à Instituição.
Agradeço a oportunidade de ter intermediado e conseguido, para a Biblioteca da UnG, uma coleção de livros oferecidos pela Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa.
Agradeço a oportunidade de ter podido apresentar aos alunos de Letras a escritora portuguesa Filomena Cabral, o escritor da Távola Redonda, Marcos Leal, o Professor Doutor de História da Universidade de Lisboa, João Medina, para falar sobre Eça de Queirós e, ainda, de apresentar exposições cedidas pelo Instituto Camões.
 Agradeço as lindas e calorosas homenagens que recebi de diversas turmas, em suas festas de formatura, ou fora delas.
Agradeço a todos os funcionários da UnG, de todos os departamentos, que sempre me trataram com correção, respeito e carinho, me atendendo prontamente sempre que necessário.
Agradeço aos professores, colegas e amigos, com quem tive o privilégio de convier e que partilharam comigo suas vidas, durante esses 29 anos e meio, em que às vezes passava mais horas na Instituição do que em minha casa, pelo companheirismo, respeito e afeto e, que me perdoem aqueles, a quem possa ter magoado, sem ter percebido, e sem qualquer intensão malévola.
Aos Queridos alunos que cruzaram o meu caminho, eu agradeço o muito que me ensinaram, e espero que tenham compreendido que as "broncas" estavam a serviço de um bem maior: o conhecimento.
Foram tantos os ganhos que não posso deixar de agradecer! Se no calor da emoção, deixei de agradecer a alguém, me perdoe.
Portanto, no momento em que os meus serviços, não interessam mais à Instituição, saio dela com a tristeza inerente ao fim de um ciclo que se extinguiu, mas alegre e feliz, por ter cumprido o meu dever com dignidade e respeito.
Espero saber receber de braços bem abertos as novas oportunidades que a vida me proporcionar daqui em diante.
Meus novos projetos incluem a possibilidade de palestras, grupos de estudos de Literatura, Psicologia, Educação. Tenho uma sala na R. Soldado José de Andrade, 559, Guarulhos, onde espero receber clientes para atendimento terapêutico. Alunos para troca de saberes. Atualmente compartilho nela meus conhecimentos de francês.
Obrigada, Amigos, pela atenção dedicada a este momento aqui compartilhado e perdoem a extensão do discurso.  

24.3.15

Dois poemas do meu livro "Chuva Quente"

Mar! Conha!

Praia deserta
Dedos por onde escorre a areia do Tempo
Ontem
O ressoar das ondas falava de amor!
Hoje
A areia lembra deserto.
Navio perdido na bruma do Tempo,
É o Mar!
Partir
Chegar
Onde ninguém aportou ainda.
De novo o contato da areia.
A solidão. O deserto...
Um objeto diferente
No tocar da areia.
Búzio? Concha?
Búzio não, não quero,
Traz mensagens do impossível.
Prefiro a concha,
Espaço côncavo   fechado
Ostra!
Pérola, valerás o segredo da solidão?
Ostra, só.
A concha que palpam meus dedos
No mar de areia
De uma praia imaginária.

***

Vento, 
Teu bailado no pinhal
Assobia no meu sangue
E as naus perdidas
Em rotas impossíveis
Dançam nas ondas do mar!...


15.3.15

Aniversário

Flores para comemorar o Primeiro Aniversário do Blog

        Um ano, o primeiro, que espero seja de muitos, com mais e mais textos, ideias circulando por aí, a esmo, sem que eu saiba exatamente quem as lê. Sem que eu saiba onde chegou a minha voz, sem que eu conheça as pessoas que se sentiram tocadas com uma das minhas palavras... sem que eu saiba que palavra foi a mais importante para cada um...  talvez todas, talvez nenhuma.
      Um ano! o primeiro! Que venham os próximos!

6.3.15

Mensagem para os leitores


Caros Leitores

         Meu Blog está prestes a completar um ano. Sinto-me feliz e agradecida pela participação de leitores de algumas partes do mundo, onde jamais imaginei chegar. Como sou nova neste universo "blogueiro", ainda estou em fase de aprendizagem do uso desta ferramenta de comunicação, tão interessante e promissora.
           Esta cartinha, tem como objetivo pedir a cada um dos que me leem, a gentileza de, se possível, deixarem uma mensagem, um comentário, uma sugestão para que eu possa melhorar, cada vez mais, este meu "livro vivo". Um grande abraço a todos, cheiinho de gratidão! Até breve.

23.2.15

Sensações



Não sei teu nome
Nem de que estrela escorregaste.

Sinto no ar o aroma
De tuas carícias,
O fogo dos teus olhos,
O veludo de teus beijos,
A música de tuas mãos
Deslizando no meu corpo nu.

Embriagados, meus sentidos,
Sonham com teu regresso!


           ****

Vejo-te chegar
Coberto de ouro e de luz.
Abres os braços
E me aninho no teu peito.
Assim unidos,
Nossos corpos fremem
E os desejos cumprem-se
Sob as estrelas cadentes.

               Guarulhos, 23/02/2015

4.2.15

Eu, Vendo Lenços! E Você?

     

         Por estes dias, uma grande amiga contou-me uma breve história sobre certa mãe que, em discussão com o filho sobre os tempos de crise e as dificuldades do mercado, posicionou-se da seguinte forma diante das angústias do filho:
− Meu filho, crises sempre existiram! A questão é: “Como você se coloca diante delas?” Você pode, simplesmente, escolher entre, sentar-se no chão e chorar, ou vender lenços. EU VENDO LENÇOS! E você?
Não sei se o filho respondeu ou não. Não sei se ele chegou a se posicionar, em relação à pergunta da mãe, nem qual das alternativas escolheu para a vida...
Pelo que me diz respeito, adorei a história e tomei uma decisão: ficar do lado da ação. Portanto,
− Eu vendo lenços!
E você, Caro Leitor, vai ficar aí sentado, choroso, esperando a vida passar, ou vai vender lenços?