27.12.23

Vazio

 

Ainda sinto

Tuas mãos suaves deslizando

No meu corpo

Descobrindo reentrâncias que até eu desconhecia.

 

Às vezes é só fechar os olhos

Para sentir teus lábios

Tocando os meus e,

Num ímpeto,

Não sei onde começou

Onde termina aquele abraço.

 

Não importa em que porto me perdeste,

Marinheiro gingão, ou

Piloto sem aeroporto de destino

Comandante de navio

Que naufragou perto da costa.

 

Onde a tua voz de veludo,

Teu olhar apaixonado

Tuas mãos dedilhando cordas

De uma viola sem som

 

Onde o mar e o céu?

Só ficou o vazio em que,

Para sempre, mergulhaste!

 

20.10.23

MOMENTOS


As onze badaladas do sino

Despertam-me do sonho.

Nele, uma mesa posta com requinte e simplicidade.

A toalha de renda,

As flores sobre a mesa

E a delicadeza das mãos

Deslizando sobre as teclas do piano

Seguidas por uma voz doce e suave

Numa noite quente de verão.

 

Era julho com sabor de agosto

E a lua prateava lá fora.

 

Uma atmosfera de paz bucólica

Um momento suspenso

De um tempo que parece não existir...

 

Chega-me de longe, de muito longe,

Um som de copos e talheres tinindo,

Vozes abafadas, rostos de agora,

Que se confundem com os de ontem,

Como se nos conhecêssemos de longa data

E, no entanto, é a primeira vez que estou aqui.

 

Há vinho, risos, cantos e... encantos,

Um perfume campestre de margaridas

Ou violetas, que apenas vive em mim.

E, em tudo, sinto o calor envolvente do afeto

Que rege esta orquestra de um breve conto de fadas

Em pleno século XXI.

 

 A vida que vivi, e a que queria viver, nem sempre caminharam em harmonia pelo tempo. No entanto, às vezes acontecem momentos únicos, tão especiais, que merecem ser lembrados. Não importa se existe, ou não, um registo fotográfico do acontecimento. O que importa é a verdade do que ficou em nós.

27.3.23

Ainda o tempo

 

Ainda ontem corria pelos campos

e meu corpo de menina

dançava a canção do vento nos pinhais...

 

Ainda ontem a mulher que fui

Carregava ao colo os filhos

Enquanto corrigia provas, lavava,

passava, cozinhava, preparava aulas,

levava filhos à escola, à natação

(tudo ao mesmo tempo)

E à noite enfrentava uma sala de aula

Repleta de alunos com, e sem, vontade de aprender

 

Ainda ontem...

 

E, por entre os dedos,

escoou-se a poeira do tempo.

A chuva ácida corroeu-me a força

E não consigo mais agarrar o vento

 

E o tempo, ah, o tempo,

Não dá mais tempo

De segurar, com força, a vida!

                     27/03/2023