7.11.17

E o tempo levou...

           
         O portão de ferro, castanho-avermelhado, ainda lá está, mas faz tempo que ninguém o atravessa, pois as silvas e ervas daninhas tomaram conta do chão, se alastraram até à eira, onde, antigamente, as desfolhadas eram animadas de cantos e de risos, e o milho rei era o pretexto para o beijo inocente que enrubescia as moças virgens. O canastro, onde as espigas aguardavam o tempo do grão se transformar em pão, é uma tênue sombra. A casa grande, outrora branca e altiva está praticamente engolida pelo matagal. Diante do triste espetáculo de abandono sinto uma vontade imensa de chorar, mas tenho medo que as lágrimas, mesmo salgadas, reguem e acelerem o crescimento das plantas bravias.
    Contemplo as silvas se engalfinhando pelas paredes e as janelas hermeticamente fechadas...
     Fecho os olhos e vejo meninas correndo pelos campos verdejantes, as papoilas vermelhas gritando na ceara de trigo dourado, mulheres e homens colhendo as uvas maduras, as cerejas sorrindo, vermelhas, por entre verdes folhagens, as espigas de milho anchas, pedindo a colheita urgente. Mulheres de fartas ancas, carregando as cestas que despejam na eira, preparando a desfolhada que logo virá... Vejo a menina que corre descalça, rainha mimosa, coroada de flores bancas e de colares dourados de margaridas amarelas. Escuto o chiar da nora misturado aos risos, aos cânticos e ao gorgolejar da água, serpenteando na rega do fim do dia.
      Abro os olhos e não sei se foi o sol que baixou no horizonte, se as silvas que se adensaram e sombrearam o que restou das paredes brancas e uma leve cortina de orvalho embaça-me o olhar e interrompe o sonho. 
          D. Vitória, o pomar desapareceu!... e a vida, o viço, o riso, onde foram morar? 

Lembranças


O teu braço sobre o meu ombro
Não é mero gesto protetor.

O arrepio da tua mão fria
Que estremece no entrelaçar dos dedos,

A caminhada silenciosa a teu lado,
O sorriso que bloqueia a palavra
E esconde o pensamento.

São traços de um afeto maior
Que teimas em negar!

4.11.17

Quando só o corpo se cansa





Onde, como, quando, 
ó Juventude,
te fizeste velhice?
Na pele enrugada,
no corpo que murchou,
no coração ferido,
nas pernas que teimam em não correr?

A alma continua jovial,
a mente aberta
e o coração não deixou de sofrer,
nem se cansou de amar!

Onde, como, quando?

28.10.17

Silêncio


Uma guitarra trina no silêncio da noite
E leva para longe a solidão.

As paredes nuas
Do meu quarto estreito
Escutam os sons da guitarra triste
E chamam por ti!

Coimbra chega-me nesse som
E no ar paira o teu perfume.

Vejo teu olhar em cada nota suspensa
E escuto a tua voz longínqua
No suave sabor da saudade!


                                Outubro de 2017

7.10.17

Melhor Idade?


Ninguém disse ao meu coração
Que o tempo passa, rasga e desgasta
Que tem uma idade
E outra idade
E uma terceira idade
Que chega sorrateira,
Que se insinua...
Que tem, até, uma melhor idade!
Ninguém disse ao meu oração
Que a pele encolhe, enruga, engelha e resseca,
Que o cabelo embranquece,
O sorriso esmorece,
E o amor...
Ah! o Amor!

Quem disse que o coração tem idade?
Só esta pele enrugada, este cabelo sem cor
E no peito uma dor, esta dor,
Só esta idade que não tem idade,
Que é só Saudade!

Ninguém disse ao meu coração
Toda a verdade!


19/06/2007

27.4.17

Roda de Leitura

            Olá Amigos!
     Partilhar é sempre bom! Quando se trata de partilhar conhecimento e ideias, melhor ainda!
Estou iniciando um trabalho de Leitura Crítica de vários autores, partilhada entre pessoas interessadas no debate.  
      A ideia é reunir um grupo, pelo menos uma vez por mês, para falar sobre um autor e/ou livro. Pretende ser uma conversa sobre Literatura. Uma troca de conhecimento entre os diversos participantes. Aceito sugestões sobre obras e autores, sobre temas e abordagens. Quem quiser participar deverá ler as obras, que serão divulgadas com antecedência. Quem não conseguir ler até a data fixada, mas quiser participar, apenas como ouvinte, será bem vindo!          A leitura prévia facilita a participação e o entendimento do que for discutido. Junte-se a nós! Leia! Participe de nossos debates! Leitura é, também, entretenimento, Divirta-se!
         A primeira RODA DE LEITURA acontecerá no dia 6 de maio, próximo. Outras virão. Faremos uma verdadeira ciranda de leitura. Avise-me, inscreva-se deixando o seu recado no Blog, no Face ou no G+. Para viabilizar o projeto, o valor de troca será de R$20 (vinte reais) por sessão. O café ou chá será por nossa conta! Abraço a todos.

14.1.17

O Gato que não tive


Nunca tive gatos. No entanto, os gatos me escolhem. Foi assim com diversos gatos ao longo da vida.
Levei um susto de novo. A janela do quarto aberta, ficava no nível abaixo da rua e da garagem aberta. Na verdade, um pequeno terraço com espaço suficiente para um carro. Estou sozinha. A casa silenciosa. Que aconteceu lá dentro? Entro no quarto e me deparo com um novelo doirado aninhado na minha escrivaninha. Sim era o gato da vizinha, ou da vizinhança, já que ele transitava livre sobre todos os telhados. Era a segunda vez que me aprontava essa peça e, apesar de o expulsar de casa, mostrando-me brava, ele voltava sempre que achava uma brecha. Se não fosse à janela, espreitava-me à porta quando, em noites quentes, me sentava na soleira, da porta da frente de casa, para me refrescar e conversar com o marido ou eventuais amigos que, com o calor intenso, saiam de casa, olhavam ao redor e, achando vizinhos disponíveis, aproveitavam para contar as peripécias do dia.
Naquela época esperava o meu primeiro filho, na verdade uma filha. A ultrassonografia ainda não era moda e não identificava, com a precisão de hoje, qual o sexo do bebê. Atrevido, o gato, chegava de mansinho e, sem pedir licença, instalava-se no meu colo. Consentida a primeira vez, lá vinha ele, sempre que possível, participar desses momentos de relaxamento. Deixei de ver o gato por um bom tempo, ou seria gata? Nunca indaguei o sexo do bichano... Um belo dia sumiu e durante um bom tempo ninguém o viu nas imediações. Teria morrido atropelado?
Tempos depois um outro gato, com igual pêlo dourado, foi rondando as casas da vizinhança e se aproximando. Era bem pequenino, quem sabe filhote do anterior, de quem herdara a memória das casas e das pessoas... Mudei de casa e de bairro, e outros gatos foram rondando minha casa, minhas pernas, as de meus filhos, e até agora há um que adora instalar-se sobre ou sob o meu carro, de acordo com suas conveniências... 
       Enxota daqui, enxota dali, tentei livrar-me dos gatos, mas sem grande êxito. E eu, que nunca fui dona de gatos, me vejo adotada por algum, tentando ser meu dono...
Foi assim, há muito tempo, com o gato siamês, rabugento e mal-humorado de uma senhora francesa com quem fiz aulas de conversação. Desde o primeiro dia, para espanto de sua dona, ele aninhou-se no meu colo e eu, que nunca quis compromissos felinos, me vi “dona” de gatos alheios.